Avaliação de desempenho de uma estaca quebrada (???)
INTRODUÇÃO
Conforme já exaustivamente comentado e publicado, estacas pré-fabricadas de concreto apresentam como principais características positivas, a possibilidade de controle e rastreamento dos diversos materiais que compõem sua fabricação, além da inspeção visual do produto acabado e também de uma série de métodos não destrutivos muito práticos, que possibilitam avaliar a qualidade das peças produzidas antes da sua instalação no solo, ou até mesmo após isso haver ocorrido. Neste trabalho serão apresentados os resultados do comportamento como elemento de fundação, de uma estaca pré-fabricada de concreto protendido de seção transversal hexagonal vazada com bitola de Ø 35 cm, a qual foi cravada num depósito sedimentar argilo-arenoso, de idade holocênica, na cidade de Caraguatatuba (Litoral Norte de São Paulo) e, cujos sinais das negas e repiques elásticos devidamente coletados no final da sua cravação, em princípio não apresentaram indícios que se possibilitasse concluir que a referida estaca estivesse quebrada. No final da cravação, obtiveram-se negas de 12 mm/10golpes e repiques elásticos de ± 18 a 20 mm/golpe e, decorridos dois dias da cravação da estaca, verificou-se que as negas foram nulas (zero) e os repiques elásticos de ± 20 a 22 milímetros/golpe. A figura 1 (sem escala) mostra os sinais de negas e repiques elásticos coletados no final da cravação da estaca em estudo e, também depois de 2 (dois) dias decorridos de sua cravação.
Há de se comentar que, durante o processo de cravação verificou-se que o comportamento da referida estaca divergiu substancialmente das demais estacas cravadas na obra no que tange ao seu comprimento cravado, ou seja, 30,80 metros. O projeto desta obra foi desenvolvido considerando que fossem adotadas estacas pré-fabricadas de concreto, de seção hexagonal, maciças e vazadas, com seções de Ø 30 cm, Ø 35 cm e Ø 40 cm, cujas quantidades e comprimentos médios obtidos durante as cravações encontram-se apresentados na tabela 1 apresentada a seguir.
ASPECTOS GEOTÉCNICOS DO LOCAL DA OBRA
A figura 2 apresenta o perfil geotécnico característico da obra e, em específico pela sua proximidade, o que melhor representa o local onde a estaca em estudo foi cravada. Verifica-se a presença de uma pequena camada inicial de aterro silto-arenoso com espessura de 0,90 metros, a qual se encontra sobreposta a uma camada de areia fina pouco argilosa, compacta, cinza com espessura de 6,10 metros. Imediatamente abaixo dessa camada de areia fina, surge uma camada de argila arenosa mole, cinza com espessura de 2,20 metros, a qual se sobrepõe a outra camada de areia fina, siltosa, medianamente compacta a compacta, branca, cuja espessura é de 3,40 metros, estando esta sobreposta a outra camada de areia fina a média, siltosa, medianamente compacta a compacta, cinza, com detritos marinhos e cuja espessura é de 8,20 metros. Sob essa última camada de areia descrita, observa-se novamente uma camada de argila marinha arenosa, mole e cinza, cuja espessura é de 2,90 metros e, esta camada de argila se encontra sobreposta a outra camada de areia fina a média, sitosa, medianamente compacta a compacta, cinza, a qual se estende até o limite da sondagem executada, ou seja, 30, 75 metros de profundidade. Observa-se no perfil geotécnico apresentado, a presença de camadas de argila intercaladas com camadas de areia, caracterizando um perfil típico de solo sedimentar de origem holocênica (Holoceno ou Holocênico corresponde à época do período Quaternário da era Cenozóica do éon Fanerozóico que se iniciou há aproximadamente 11,5 mil anos e se estende até o presente).
CARACTERÍSTICAS DAS ESTACAS E DO SISTEMA DE CRAVAÇÃO
Conforme já comentado anteriormente, as fundações da obra em estudo foram executadas com estacas pré-fabricadas de concreto protendido, com seção transversal hexagonal, maciças e vazadas, com bitolas nominais de Ø 30 cm, Ø 35 cm e Ø 40 cm. Foram cravadas com martelo do tipo “queda-livre” com 6,2 toneladas de massa. Para que se pudessem distribuir uniformemente as tensões dinâmicas que comumente surgem em decorrência dos impactos do martelo sobre a cabeça da estaca, foi instalado um capacete metálico dotado, na parte superior, de um “cepo” de madeira dura com fibras paralelas ao eixo da estaca, e na parte inferior, um “coxim” de madeira macia com diâmetro igual ao da estaca. As emendas dos elementos de concreto foram feitas com solda elétrica. Um resumo das características das estacas e do sistema de cravação encontra-se nas tabelas 2 e 3 que seguem.
As características técnicas das estacas pré-fabricadas de concreto encontram-se apresentadas na figura 3, através do seu diagrama de interação à flexão composta conforme estabelece a ABNT NBR 6122/2022 – Projeto e Execução de Fundações (Item 8.6.5 – Páginas 35 e 36).

Observe-se atentamente neste diagrama que, embora sob o aspecto estrutural a referida estaca possa ser utilizada para uma carga de até 88 toneladas (informação essa que em geral deve constar no catálogo dos fabricantes), o projeto da obra em estudo foi elaborado com a premissa de que a referida estaca fosse adotada como elemento de fundação, considerando sob o aspecto geotécnico (interação estaca-solo), que a mesma deveria atender apenas a um carregamento de 65 toneladas, de tal maneira a transferi-lo adequadamente ao solo e, com deformações compatíveis com a sensibilidade da estrutura.
Para que pudesse ser executada uma união perfeita e segura das emendas, utilizaram-se cordões de solda elétrica contínuos em todo o perímetro das seções emendadas. Nessa operação (ilustrada pelas figuras 4 e 5), em geral obedecem-se às recomendações que são indicadas a seguir, as quais em geral, são adotadas como procedimento padrão por todas as empresas:

1) O elemento a ser soldado é posicionado, de forma justaposta, sobre o elemento já cravado, cuidadosamente aprumado, de forma a procurar proporcionar um perfeito assentamento perimetral entre as chapas metálicas dos anéis dos segmentos a serem emendados; 2) Após esse posicionamento, é feita a limpeza dos anéis com uma escova metálica apropriada, para a retirada da terra, óleo ou graxa que eventualmente possam ali existir;
3) Sequencialmente, em conformidade com a boa técnica de solda de penetração, procede-se então à execução da união (emenda) de toda a superfície perimetral de contato entre as chapas dos anéis metálicos que se encontram justapostas; 4) Terminada a solda, crava-se um novo elemento e essa operação se repete tantas vezes quantas forem necessárias até que se atinja a cota prevista de assentamento da ponta da estaca (cota de apoio).


CONTROLE EXECUTIVO
Além dos tradicionais controles efetuados para fundações com estacas pré-fabricadas de concreto ou estacas metálicas, controles esses associados aos diagramas de cravação elaborados durante as cravações das estacas e da coleta de negas e repiques elásticos no final das cravações de cada estaca cravada, foram também efetuados vários ensaios de carregamento dinâmico com auxílio de PDA® (Pile Driving Analyzer®). Conforme já amplamente comentado, esse tipo de ensaio é feito utilizando-se um conjunto básico de instrumentos e equipamentos para a aquisição e tratamento dos dados. Vale aqui salientar que a ABNT NBR-6122/2022 (Projeto e Execução de Fundações) exige que sejam feitos ensaios para comprovação do desempenho de fundações com estacas. Assim sendo, consta na referida norma técnica, dentre outras exigências, em especifico as seguintes considerações:
“Item 8.2.1.3 – Ensaios de Carregamento Dinâmico – O Ensaio de Carregamento Dinâmico visa à avaliação de cargas mobilizadas na interface solo-estaca, fundamentada na aplicação da Teoria da Equação da Onda Unidimensional, conforme ABNT NBR-13208.”
“Item 9.2.2.3 – Quantidade de ensaios dinâmicos – Para comprovação de desempenho, as provas de carga estática à compressão podem ser substituídas por ensaios de carregamento dinâmico, conforme ABNT NBR 13208, na proporção de cinco ensaios dinâmicos para cada prova de carga estática, conforme ABNT NBR 12131 (para obras que possuam entre 100 e 200 estacas)”.
Nesse tipo de ensaio, a aquisição dos registros gerados, quando da aplicação do carregamento dinâmico axial, é realizada através da prévia fixação, em uma seção da estaca próxima ao topo e com o auxílio de buchas especiais, de um par de transdutores de deformação específica e de um par de acelerômetros.
Esses sensores são dispostos de forma diametralmente oposta, para que haja a compensação de eventuais efeitos de flexão e excentricidade durante a aplicação dos golpes do martelo. Tanto os transdutores de deformação (strain-gages) como os acelerômetros são reutilizáveis por serem fixados através de parafusos e chumbadores (buchas de aço) no fuste das estacas. Os sinais assim obtidos (em bruto) são transferidos através de um sistema de cabos de conexão a um equipamento eletrônico que os transcodifica e os processa, por meio de uma série de cálculos (on line), durante cada golpe do martelo. Na figura 7 são apresentados detalhes da execução do ensaio nessa estaca.
Esse equipamento, especialmente projetado para utilização em campo, é denominado PDA® (Pile Driving Analyzer®). O PDA® provê o condicionamento dos sinais dos transdutores de deformação específica e dos acelerômetros, fazendo a conversão dos sinais medidos em força e velocidade médias, respectivamente, para utilização em um microcomputador digital.
Este processador utiliza a Teoria de Propagação das Ondas para calcular dados como:
- a) Resistência mobilizada do solo;
- b) Tensões máximas na estaca;
- c) Integridade da estaca;
- d) Desempenho do sistema de cravação;
- e) Desempenho do sistema de amortecimento
Uma vez que havia dúvida quanto à possibilidade de ter ocorrido a quebra da referida estaca durante o processo de cravação, optou-se ainda por se efetuar a inspeção visual do fuste, pois sendo uma estaca de seção vazada, esse procedimento tornouse muito simples de ser executado em campo. A figura 8 mostra o procedimento efetuado
Como se nota, aparentemente até a profundidade onde se pode inspecionar, não foi observada qualquer avaria no fuste da estaca. Ocorre que, havia ainda a necessidade de verificação do comprimento de fuste integro, antes da posição onde estaria formada a bucha de solo na ponta da estaca. Nesse caso, optou-se pela inserção de um barbante longo com uma massa de chumbo de um prumo de face fixada a uma de suas extremidades. Posteriormente, mediu-se o comprimento desse barbante e mediu-se que havia 22,30 metros de fuste totalmente integro antes da “possível quebra” ou da posição onde estaria a bucha de solo que normalmente se forma na ponta de estacas vazadas. A figura 9 mostra o procedimento descrito e que foi adotado em campo.
Os sinais obtidos em campo durante a execução dos ensaios de carregamento dinâmico deverão ser posteriormente analisados através de um Software denominado programa CAPWAPC®. A solução idealizada é aquela que melhor ajustar os sinais obtidos à curva calculada, tendo por base todos os parâmetros envolvidos no processo de cravação.
A análise CAPWAPC consiste em modelar matematicamente, com base em uma série de incógnitas envolvidas no processo, uma curva teórica, que pode ser a de Força, Velocidade x Impedância ou Wave Up, que se ajuste com a maior precisão possível à correspondente curva medida em campo quando da execução do ensaio. O grau de precisão desse ajuste denomina-se match (MQno), sendo avaliado pela soma das diferenças relativas e absolutas entre as variáveis calculadas e medidas. Em outras palavras, o “match” correspondente à diferença percentual entre a curva (em análise) medida e a correspondente curva calculada, ou seja, quanto menor o “match” melhor será a precisão da análise CAPWAPC realizada. A título de registro, no caso especifico desta estaca, o “match" (MQno) obtido no final da análise CAPWAPC foi de 0,98. As diversas incógnitas envolvidas na análise matemática devem correlacionar-se entre si, de modo a dar significado físico coerente à solução final em conformidade com o modelo físico admitido para representar o comportamento interativo estaca-solo. A figura 10 representa essa modelagem.
Assim, cada incógnita possui individualmente o seu significado físico, além de valores máximos e mínimos que, na medida em que vão sendo ajustados através das análises, por tentativa e erro, passam a integrar conjuntamente com as demais incógnitas, a solução do problema em estudo, que é representado pelo conjunto de curvas obtidas em campo quando da execução do ensaio. Para o caso em estudo, a análise CAPWAPC efetuada encontra-se resumidamente apresentada de forma gráfica na figura 11.
Nessa figura, o gráfico superior esquerdo mostra o ajuste das curvas de força medida em campo e a calculada pelo método CAPWAPC®, sendo que, quanto maior for o ajuste entre essas curvas, maior será a precisão do valor de resistência mobilizada pela estaca. No segundo gráfico, o superior direito, encontram-se apresentados os sinais medidos em campo de força e velocidade, sendo que a partir desses sinais é que se chega aos valores de resistência mobilizada pela estaca. No lado esquerdo inferior, é apresentada uma simulação de uma prova de carga estática da estaca analisada, indicando os valores das resistências totais, laterais e de ponta, assim como seus deslocamentos. O último gráfico, dividido em duas partes, mostra a distribuição de resistência pelo atrito lateral unitário, na parte superior, e a distribuição de resistência no solo, na parte inferior. As principais informações contidas nos resultados impressos pelo CAPWAPC® e que se encontram apresentadas na figura são as seguintes:
- ➢ Force Msd → Força medida;
- ➢ Force Cpt → Força calculada;
- ➢ Vel Msd → Velocidade medida;
- ➢ Ru → Resistência máxima mobilizada;
- ➢ Rs → Parcela de resistência correspondente ao atrito lateral;
- ➢ Rb → Parcela de resistência correspondente à ponta;
- ➢ Dy → Menor deslocamento estático no último estágio de carregamento da prova de carga;
- ➢ Dx → Deslocamento estático máximo descendente na localização dos transdutores.
Deve-se observar que, às vezes, aparece, entre o segundo e o quarto gráficos, um modelo (desenho) representativo da estaca, com qualquer variação de impedância que possa ter ocorrido na mesma. Nota-se no modelo apresentado, que logo abaixo da figura situada na parte superior à direita, surge uma pequena figura representativa da variação da impedância da estaca. Nessa figura notam-se inicialmente dois pontos que apresentam impedância inferior se comparada aos demais pontos representados nesse desenho, como se nesses pontos assim representados, houvesse uma “mordida” na estaca, ou seja, uma variação de impedância. No caso em questão, esses dois pontos inicialmente identificados e apresentados representam as emendas dos segmentos. Ainda na mesma figura, em análise mais detalhada, verifica-se um trecho situado na posição da ponta da estaca onde essa variação de impedância é bem maior, sugerindo que esteja totalmente danificada essa seção. Pode ser ainda se observado nessa análise, mais especificamente no último gráfico situado abaixo e à direita, mais precisamente na sua parte superior, onde mostra a distribuição de resistência pelo atrito lateral unitário, que em um determinado trecho situado no final da estaca praticamente essa distribuição de resistência tende a zero. Na análise CAPWAPC® efetuada pode ser claramente identificado que esse comportamento ocorre a partir de aproximadamente ± 25 metros, caracterizando assim que, a partir dessa profundidade não estaria mais havendo distribuição de resistência na estaca. Obviamente que, a avaliação dessas duas condições acima verificadas na análise, sugere que a partir desse trecho a estaca encontra-se totalmente danificada, ou melhor, devese considerar que a estaca se encontra integra até ± 25 metros de profundidade. Vale esclarecer que, em se tratando de estacas longas, onde a ocorrência do efeito set-up muitas vezes impede o deslocamento da sua ponta durante a aplicação dos golpes desferidos pelo martelo do bate-estaca, o comprimento efetivo das estacas como um todo (abaixo da posição onde se encontram instalados os sensores), muitas vezes fica difícil de ser precisamente visualizado. Desse modo o descarregamento prematuro (toda a deformação elástica da estaca, para o carregamento aplicado no ensaio) ocorre em um comprimento inferior ao comprimento total da estaca, resultando em uma velocidade negativa antes do tempo 2L/c (tempo de chegada de uma onda de compressão vinda da ponta), que corresponde ao tempo de chegada de uma onda de compressão vinda da ponta da estaca. Sob tal linha de raciocínio e, considerando que a inspeção previa do fuste, efetuada em campo com auxilio de uma pequena lâmpada e do barbante, onde se constatou estar integro até, pelo menos a profundidade de 22,30 metros, pode-se considerar que ocorreu o embuchamento da ponta da estaca em pelo menos 2,70 metros do fuste, o que parece razoável, considerando esse tipo de estaca e perfil geotécnico. Não obstante a esse problema identificado, pode ainda ser observado na referida análise CAPWAPC® que houve a mobilização de 256,2 toneladas, sendo que 255,9 toneladas são correspondentes à parcela de atrito lateral e apenas 0,3 toneladas correspondem à parcela de ponta. A deformação máxima observada neste carregamento foi de 21,6 milímetros, sendo que desse valor, 21,5 milímetros pode ser considerada parcela elástica, Como se pode notar, praticamente todo o carregamento mobilizado durante o ensaio encontra-se atribuído à parcela de atrito lateral. Como se nota, há visível predominância da parcela de carga correspondente ao atrito lateral em relação à parcela de carga correspondente à ponta.
Parece intuitivo que para estacas longas, como no caso em questão, esse comportamento seja sempre característico, porém existem diversas situações onde a cicatrização do solo ao redor da estaca (efeito set-up) não se dá de forma tão acentuada. No caso em questão, essa característica favorece em muito a tranquilidade quanto ao aspecto atrelado à possibilidade da ocorrência de deformações acentuadas, uma vez que praticamente toda a carga oriunda da estrutura acrescida dos respectivos coeficientes de segurança normativos, encontra-se absorvida pela parcela correspondente ao atrito lateral e, sendo assim, distribuída gradativamente ao longo da profundidade nas diversas camadas que compõem o referido maciço de solos
COMPORTAMENTO DE GANHO DE RESISTÊNCIA (SET UP) EM AREIAS.
Durante a cravação de estacas em solos coesivos, a perda de resistência provocada pelo amolgamento e pelo excesso de poro pressão, resultante das distorções na estrutura da argila, é bem conhecida em nosso meio geotécnico. Dependendo da resistência não drenada e do índice de plasticidade da argila, a resistência do solo após a reconsolidação pode ser maior do que sua resistência antes da cravação da estaca. Quando a estaca é cravada em solos com predominância arenosa, o efeito da distorção na sua estrutura em condição não drenada pode ser bem problemático, dependendo da sua granulometria e da sua compacidade. Para melhor explicar o comportamento das areias, a figura 12 apresenta a variação da resistência ao cisalhamento com o índice de vazios (e). A curva cheia e a curva tracejada representam a relação entre a resistência ao cisalhamento e o índice de vazios no sistema não drenado e drenado, respectivamente.
No gráfico apresentado, o índice de vazios crítico (ecrit) representa a condição limite, durante o cisalhamento, para a qual a amostra de solo arenosa não sofre variação de volume, consequentemente, sua resistência, submetida a um carregamento drenado e não drenado, é semelhante. Para uma areia no estado fofo, isto é e (2) > ecrit, a tendência de diminuição de volume transfere parte do carregamento para o fluido, provocando o excesso de poro pressões (positivas) e com isso a diminuição das tensões efetivas. Em casos extremos, a geração de poro pressões pode atingir a mesma ordem de grandeza das tensões totais, provocando o efeito de liquefação (’= 0). Por outro lado se essa mesma amostra for submetida a uma solicitação sob condições drenadas, os grãos podem se rearranjar numa condição mais compacta, e o solo arenoso pode atingir uma resistência ao cisalhamento de R’1 maior que R1. Para o caso de uma areia no estado compacto, isto é e (1) < ecrit e resistência não drenada R2, há uma tendência de se aumentar o volume da amostra de solo, pois os grãos estão mais próximos. Esse processo gera o excesso de poro pressões, porém, negativas, e as tensões efetivas aumentam. Por outro lado, se essa mesma amostra for submetida a uma solicitação sob condições drenadas, as poro pressões negativas geradas pelo aumento do volume na amostra de areia compacta se dissipam, e a resistência drenada atinge um valor R’2 menor que R2.
Durante o processo de cravação de estacas em solos arenosos, no estado fofo, ocorre a geração de poro pressões positivas, diminuindo a resistência ao cisalhamento. Porém, com a interrupção da cravação por qualquer motivo (solda, manutenção do equipamento, etc.), ocorre a dissipação desse excesso de poro pressão positivo e consequente aumento da resistência ao cisalhamento, caracterizando o ganho da capacidade de carga (set up). Para vencer essa nova resistência, será necessário um número maior de golpes ou em algumas vezes, aumentar a energia de cravação de modo a atingir a cota de assentamento prevista. No entanto, para a areia no estado compacto, ocorre a geração do excesso de poro pressão negativa e o aumento da resistência ao cisalhamento. Porém com a interrupção do processo de cravação, ocorre a dissipação do excesso dessas poro pressões negativas, e consequente diminuição da resistência, caracterizando o fenômeno da relaxação.
No caso do controle de cravação através da curva carga mobilizada versus nega, muitas vezes é possível que as estacas atinjam o comprimento predeterminado no projeto, porém com deslocamentos acima dos previstos, podendo fazer com que o operador do bate-estaca continue, desnecessariamente, a cravação até que se atinja a nega estabelecida no projeto.
HIPÓTESE PROVÁVEL
Os elementos técnicos apresentados neste trabalho evidenciam claramente que, embora com capacidade de carga compatível com as necessidades de projeto e atendendo com bastante folga razoável aos coeficientes de segurança fixados nas normas técnicas vigentes, a estaca em questão encontra-se quebrada. Uma hipótese bastante razoável de ser admitida como linha de raciocínio para entendimento do fato remete-nos a crer que essa estaca se quebrou e “acabou por fazer uma nova ponta”, a qual, por sua vez, apoiou-se na camada onde as demais estacas ficaram assentadas. Essa linha de raciocínio explica-se facilmente, se admitirmos que durante a transposição da segunda camada de argila mole (20,80 aos 23,70 metros de profundidade) possa ter havido a ruptura do fuste da estaca por tração, ou seja, quando em processo de transposição dessa camada de solo de baixa resistência, a ponta tende a deslocar-se com maior velocidade do que o restante da estaca (fuste) situado acima dela, o qual se encontra em transposição e aderido (preso, agarrado) às camadas de areia situadas acima. Sob tais circunstâncias, ao quebrar-se a estaca em determinada parte do fuste, pode acabar por ocorrer automaticamente a continuidade do deslocamento durante o processo de cravação do restante da estaca ainda integro e, assim sendo, a parte integra do fuste, não raras as vezes, se reapoia novamente. Vale salientar que, quanto mais espessa for a camada de argila mole com tais características, maior será o efeito de tração decorrente do processo de cravação por percussão, embora alguns profissionais pensem que sob tais circunstancias as cravações sejam mais fáceis. A figura 13 ilustra o comentado.
COMENTÁRIOS FINAIS E CONCLUSÕES
Pode-se concluir através da análise dos elementos técnicos apresentados no presente trabalho, que a estaca em estudo não se apresenta integra a partir da profundidade aproximada de 25 metros. Todos os elementos técnicos baseados em negas e repiques elásticos, coletados na obra durante os trabalhos em campo não puderam concluir com precisão tal hipótese, apenas fundamentada preliminarmente pela análise comparativa com as demais estacas cravadas na mesma obra, inclusive aquelas situadas no mesmo bloco onde a estaca em estudo foi cravada. Se observarmos todas as demais estacas cravadas nesta obra, inclusive de bitolas distintas da que caracteriza a estaca em estudo, observaremos que a média de comprimentos cravados se situa em torno de 25 metros, comprimento esse compatível com a cota de apoio pré-definida pela análise da sondagem e muito divergente daquela observada pela cravação dessa estaca (30,80 metros). Após a execução do ensaio de carregamento dinâmico e posterior análise CAPWAPC®, essa constatação pode ser feita. Deve ser salientado que, embora tenha sido constatado que a estaca em estudo tenha apresentado ruptura de parte do seu fuste e, segundo a hipótese admitida, tenha se reapoiado adequadamente na cota correta, apresentando até essa cota um fuste totalmente integro, a carga mobilizada obtida no ensaio executado atesta claramente que a mesma atende com bastante margem de segurança as cargas do projeto. Vale comentar que em se tratando de uma estaca pré-fabricada de concreto, as condições de fabricação e posterior instalação nos mais variados maciços de solos favorecem todo tipo de inspeção e controle, tornando assim esse tipo de fundação profunda, sem dúvida alguma, a mais confiável. O caso em questão é prova evidente disso e, pode servir de exemplo para diversas outras situações corriqueiras aonde eventualmente venham a ocorrer, pois os fatos aqui apresentados não são únicos e, com razoável margem de certeza, ocorrem com certa frequência. No caso em questão, em virtude das demais estacas cravadas na obra terem apresentado boa homogeneidade de comprimentos, a qual se respalda pelas características do perfil de sondagem local, tornou-se bastante fácil identificar que provavelmente algum problema havia ocorrido com essa estaca, ocorre, porém que, em inúmeras obras litorâneas e, também em obras com perfis de solos tipicamente residuais, prepondera quase sempre a heterogeneidade geotécnica e não a homogeneidade e, nessas circunstâncias, não se torna tarefa fácil a identificação clara deste tipo de problema. Não se está no presente trabalho objetivando-se enveredar pelo aspecto da necessidade ou não de proceder-se ao reforço de estacas que apresentem tal condição, uma vez que tal decisão deve ser totalmente embasada, como no caso em questão e, ainda assim, ser submetida à anuência do projetista e/ou consultor de fundações, tratando-se de uma decisão totalmente especifica e pessoal. Objetiva-se enveredar pelo aspecto que evidencia a total confiabilidade de uma solução de fundação que, mesmo apresentando determinadas condições de não conformidade com um referencial técnico previamente estabelecido, ainda assim pode se mostrar totalmente confiável à finalidade para a qual foi destinada, ou seja, servir de elemento de fundação, ou simplesmente, suporte de estruturas. Há de se ter em mente, que o mero cumprimento de determinados formalismos préestabelecidos como necessários à garantia da qualidade, muitas vezes não asseguram que poderá haver um bom desempenho de uma fundação, pois o solo não é um solo fabricado pelo homem e, portanto, nem sempre se comporta conforme as premissas pré-estabelecidas. Em engenharia de fundações, muitas vezes torna-se perigoso generalizar qualquer opinião, método ou solução, pois conforme já comentado anteriormente, na grande maioria dos casos a heterogeneidade se faz regra, e a homogeneidade a exceção. Outro aspecto importante a ser considerado, refere-se ao fato de que as fundações são constituídas por elementos estruturais que permanecem enterrados no solo, sendo assim difíceis de serem inspecionados após sua conclusão. Neste caso em particular, pode-se registrar uma frase do Engº Luciano Décourt (SEFE VI – Seminário de Engenharia de Fundações Especiais e Geotecnia (Novembro 2008)) que assim foi dita e registrada: “Na engenharia geotécnica, assim como em qualquer área do conhecimento humano, qualquer que seja o assunto, há muito mais controvérsias do que consenso. Especificamente na engenharia de fundações não há consenso sobre praticamente nada”.
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