Pra que mudar??? Eu sempre fiz assim e deu certo!!
1. INTRODUÇÃO
Estamos no século XXI e, não obstante observarmos cotidianamente a ocorrência de uma série de mudanças, adaptações e aprimoramentos em praticamente todos os segmentos que envolvem qualquer atividade humana, ainda nos deparamos com determinadas situações que, habitualmente nos remetem a reflexões, as quais, muitas vezes nos impulsionam quase que instintivamente à seguinte questão, ou linha de raciocínio: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”.

Essa linha de raciocínio torna-se cada vez mais evidente e caracterizada como hábito, nas pessoas que aparentemente se fazem mostrar mais experientes, lastreadas fundamentalmente pela idade e não pelo conhecimento adquirido através da prática, da observação ou do exercício em determinado assunto. Ter experiência não é necessariamente sinônimo de ser idoso ou veterano, embora com o passar do tempo, de forma contínua, através da prática, da observação ou do exercício em determinado assunto, sempre se adquira experiência.
De fato, muitas vezes nos questionamos em determinados momentos, quando nos deparamos com situações embaraçosas, nas quais somos colocados à prova para opinarmos sobre determinado assunto e, quando emitimos nossa opinião, a qual se embasa quase sempre pela “nossa experiência”, percebemos então, que também poderíamos ter observado a questão abordada sob outra ótica, sob outro prisma até melhor, uma vez que o assunto assim o permitia e, não conseguimos, naquele momento, perceber isso. Assim sendo, passamos então a perguntar ao nosso subconsciente: Experiência? Quem a tem, se a todo o momento tudo se renova?



Preocupam-se quase sempre e buscar saber fórmulas disso, fórmulas daquilo, acreditando que a prática da Engenharia se resuma apenas e tão somente ao saber de um grande número de fórmulas e não à fundamentação para a qual foram concebidas e ao raciocínio que deve anteceder sua eventual utilização. Em 1.991, já antevendo o que havia por vir com o decorrer do tempo, o Engº Sigmundo Golombek escreveu um artigo intitulado “Divagações de um engenheiro veterano” (SEFE II – Seminário de Engenharia de Fundações Especiais) onde, dentre inúmeras outras coisas, escreveu: “...o grande desenvolvimento da informática, com uso cada vez maior dos computadores, parece que tirou de nossos engenheiros a capacidade de raciocínio.”
2. DEDICAÇÃO E PACIÊNCIA
Toda essa situação parece, por vezes, causar uma lacuna de transferência de conhecimentos entre gerações, causando um grande hiato entre o saber e o fazer, ou seja, saber como se faz é uma coisa, porém executar em conformidade com o que se sabe, é outra coisa totalmente diferente. Na verdade, essa situação tem que ser trabalhada e lapidada constantemente e, muitas vezes requer dedicação e paciência de ambos os lados, pois não é característica da modernidade e do avanço cientifico dos dias atuais. Somente a título de referência, em 1.953 o engenheiro francês Robert L’Hermite publicou um livro intitulado “Au Pied du Mur”, que traduzido para a língua portuguesa significa “Ao Pé do Muro” e, segundo relato desse autor que se encontra escrito no prefácio dessa publicação, já naquela oportunidade tal situação se mostrava evidente. Assim transcrevo a seguir suas palavras: “Escrevi este livro em consequência de uma aposta, ou antes, um desafio. Alguém me dissera um dia, depois de haver lido alguns dos meus livros, que eu não seria capaz de escrever sobre alguma coisa de modo menos enfadonho. Isso me fez refletir e verificar que, quase sempre, se acusam os homens de ciência de usarem, em suas obras, linguagem inacessível ao público e de não serem compreendidos pelas pessoas entregues às atividades mais práticas. Outras vezes, acusam-se estas últimas de não se esforçarem por aprimorar seus conhecimentos e permanecerem alienadas. A causa dessas acusações reciprocas talvez se encontre no fato de ambos nunca terem procurado compreender-se. Os homens de ciência falam uma linguagem cheia de termos e fórmulas abstratas, meios de expressão idealizados, muito comuns em seu mundo, mas desconhecidos para o grande público. Os outros ou não se esforçam por aprofundar seus conhecimentos, ou simplesmente se recusam a dar a esses problemas a devida importância. Quem está com a razão? Os homens de ciência que, na verdade, não souberam expressar suas ideias de maneira mais simples ou aqueles que imaginam um mundo só para si?” Naquela oportunidade, soube o referido autor entender a situação por ele observada e predispor-se de maneira bastante prática e criativa, a criar um mecanismo simples e prático para resolver o problema. Publicou então o livro citado, o qual teve esgotado rapidamente todos os exemplares em todas as edições posteriormente feitas. Recorreu na época, a uma linguagem simples e ao enriquecimento ilustrativo de todas as questões técnicas abordadas, de tal maneira a proporcionar aos leitores a fácil visualização e compreensão de todos os assuntos abordados, por mais complexos que aparentemente pudessem se mostrar se fossem expostos de outra maneira.
3. CONCEITO BÁSICO DE QUALIDADE
Não obstante a isso, continuam a ocorrer mudanças em praticamente tudo que nos circunda e, querendo ou não querendo, temos que nos ajustar a todas essas mudanças ou, pelo menos parte delas, pois que, se assim não fizermos, certamente ficaremos obsoletos, quer seja sob o aspecto pessoal, quer seja sob o aspecto profissional. Sob esse enfoque, há de se observar que a qualidade de tudo que fazemos estará sempre associada a um determinado padrão adotado em determinado momento, ou seja, na realidade, a qualidade é um conceito subjetivo que está relacionado diretamente às percepções de cada indivíduo em determinada época. Assim sendo, um determinado produto ou serviço que hoje é aceito com determinado padrão de qualidade, poderá não ser aceito amanhã. Sob esse aspecto, parece lógico aceitar que existem várias definições para o conceito de qualidade, dentre as quais podem ser citadas: "conformidade com as exigências dos clientes", "relação custo/benefício", "adequação ao uso", "valor agregado, que produtos similares não possuem"; "fazer certo à primeira vez"; "produtos e/ou serviços com efetividade". Enfim, o termo é geralmente empregado para significar "excelência" de um produto ou serviço. A qualidade de um produto ou serviço pode ser olhada sobre duas ópticas: a do produtor e a do cliente.
Do ponto de vista do produtor, a qualidade se associa à concepção e produção de um produto que vá ao encontro das necessidades do cliente. Do ponto de vista do cliente, a qualidade está associada ao valor e à utilidade que são atribuídas a esse produto, estando em alguns casos ligada ao preço. Muitas vezes pode ser difícil até para os clientes exprimirem de maneira clara o que consideram um produto de qualidade, pois que, não avaliam se um produto e/ou serviço possuem qualidade apenas pelo preço, ou por determinada característica, pelo contrário, a qualidade muitas vezes passa a ser determinada quando o produto e/ou serviço atingem a expectativa do cliente.
A definição de qualidade deve sempre estar relacionada com a satisfação do cliente. Ocorre, porém que, especificamente no segmento de Engenharia, os padrões de qualidade de produtos e serviços, em geral encontram-se estabelecidos por normas técnicas, as quais são regulamentadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), e que representam o consenso entre o mercado consumidor, os produtores e os que recomendam a utilização de determinado produto e/ou serviço.
4. FUNDAÇÕES COM ESTACAS PRÉ-FABRICADAS DE CONCRETO
Obviamente, como não poderia deixar de ser, neste segmento particular da engenharia de fundações, toda essa situação citada até então, ocorre quase diariamente e, muitas vezes não percebemos isso, permitindo-nos deixar que nos envolva apenas pelo hábito da rotina com a qual a conduzimos, muitas vezes sequer contestando as mais variadas bizarrices, por mais absurdas que sejam. Sob tais circunstancias, muitas vezes perdemos a noção da sensatez em determinada situação, deixando-nos levar pelo trivialmente feito a tempo, mais por uma questão dogmática do que pelo aspecto fundamentado na boa técnica e na qualidade do momento, sem emitirmos qualquer contestação, ajustando-se determinada situação ao invés de enfrentá-la. Sendo assim, procurar-se-á, na sequência, proceder-se a análise e avaliação de uma série de assuntos relacionados a esse produto em especifico, com os quais rotineira e cotidianamente nos deparamos e, parece que sempre se fundamentam através da pérola: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”.
4.1. CONTRATAÇÃO DE FUNDAÇÕES COM USO DE ESTACAS PRÉ-FABRICADAS
Toda obra de engenharia civil requer uma determinada fundação e, no caso especifico da necessidade de fundações profundas, o uso de estacas se faz necessário. Obviamente em se tratando de estacas, há de se observar que estas podem ser do tipo préfabricado ou do tipo moldado no local da obra e, para os dois casos existem mais que uma alternativa possível. Especificamente quando se opta pela adoção de uma fundação com estacas pré-fabricadas de concreto, dentre uma série de detalhes de natureza administrativa, comercial e financeira que embasam qualquer contrato padrão, há ainda a necessidade de observarem-se e esclarecerem-se alguns aspectos relevantes, antes da efetiva contratação da obra, dentre eles citam-se:
1. Análise detalhada das sondagens objetivando avaliar a dificuldade de cravarem-se as estacas até as cotas previamente definidas no projeto, de tal maneira a minimizarem-se problemas decorrentes de quebras durante as cravações. Em havendo qualquer sintoma que evidencie a possibilidade da ocorrência de quebras de estacas superior à margem normalmente aceitável para esse tipo de solução técnica (3 a 5 %), o cliente deve ser previamente alertado para que avalie as consequências desse problema e posteriormente não alegue desconhecimento;
2. Esclarecimento quando à obrigatoriedade normativa (ABNT NBR-6122/2022 – Projeto e Execução de Fundações) de coleta de negas e repiques elásticos em 100% das estacas cravadas. Tal obrigatoriedade visa controlar a qualidade da fundação sob o aspecto de garantir que todas as estacas atendam a capacidade de carga para as quais foram cravadas, porém para que seja factível, depara-se com a necessidade de prever-se que ocorra uma sobra para cima do terreno, a qual muitas vezes é considerada como desperdício e, por consequência, custo não previsto;
3. Obrigatoriedade normativa (ABNT NBR-6122/2022) quanto à execução de provas de carga estática e/ou ensaios de carregamento dinâmico, os quais devem sempre ser feitos no início da cravação das estacas e não na fase de conclusão do estaqueamento, pois assim, servirão de referência para nortear toda a execução das fundações. Executar tal tipo de ensaios no final do estaqueamento pode por vezes, identificar alguma eventual falha que, com certeza, resultará em uma série de inconvenientes e entraves técnicos, operacionais e comerciais para ser devidamente ajustada;
4. As condições de logística, topografia e suporte superficial do terreno da obra devem ser previamente ajustadas para o trafego de carretas e operação do maquinário, sendo praxe que sua responsabilidade esteja atribuída ao proprietário da obra que contrata os serviços de fundações. Não discutir previamente tal situação antes da contratação desse tipo de serviço, pode vir a causar uma série de entraves operacionais, os quais sempre se transformam em desgastes e, por vezes riscos aos equipamentos e até mesmo ao pessoal que executa a obra
Em parte, ou na integra, raramente tais aspectos são claramente abordados na fase de negociação das obras que se utilizam deste tipo de fundação e, respeitando-se as características particulares e peculiares de outros tipos de fundações, pode-se admitir por analogia que também isso ocorra para outros tipos de fundações. As justificativas para tal situação são as mais diversas, desde a falta de conhecimento especifico de quem compra, à omissão como estratégia comercial por parte de quem vende.

4.2.SONDAGENS DA OBRA
Qualquer fundação para que possa ser adequadamente projetada e executada, como condição mínima, necessita de uma campanha de sondagens geotécnicas, as quais, de preferência, devem ser contratadas observando-se estritamente critérios técnicos e não comerciais. Sondagens mal executadas ou, pior ainda, sequer executadas, certamente trarão por consequência uma série de problemas, os quais, além de prejuízos podem eventualmente causar serias consequências ao desempenho final da obra. Este assunto é muito extenso e sua abordagem mais minuciosa requereria tempo e muitas páginas, porém, na edição 37 desta revista, pode-se encontrar uma coluna do Engº Moacyr Schwab de Souza Menezes que relata sua experiência pessoal sobre esse assunto e, ilustra muito bem alguns dos problemas enfrentados em todo o Brasil, por esse setor da engenharia. Finaliza esse autor a referida coluna editorial, da seguinte maneira: “A confiabilidade nos resultados de sondagens de simples reconhecimento com SPT depende, principalmente, da competência, vontade e honestidade de todos os envolvidos no processo, a começar por sua programação, passando pela execução, até a apresentação final dos resultados dessas sondagens e sua respectiva remuneração. É oportuno lembrar que, enquanto houver aqueles que contratam esse serviço e pagam por ele sem fiscalizá-lo, a qualidade deste não melhorará. Falta honestidade, preparo e responsabilidade nessa atividade tão simples e útil.”

Ocorre, porém que, tal linha de raciocínio não deve ser adotada somente para esse tipo específico de serviço de fundações, pois não é característica apenas e tão somente deste. Por mais absurdo que possa parecer, inúmeras obras são executadas, onde por mera “questão de economia”, as sondagens adotadas como referência são aquelas feitas anteriormente na obra de um vizinho que, muitas vezes se encontra localizado a dois quarteirões (ou mais) do local da obra e, pior ainda, muitas vezes sequer são feitas sondagens, pois “o orçamento da obra encontra-se no limite” e não prevê esse custo. Argumenta-se naturalmente que o custo de uma campanha de sondagens poderá inviabilizar todo o empreendimento do ponto de vista financeiro, como se isso fosse racional ou sensato de ser aceito. Sob esse aspecto há de se observar que com relativa frequência observam-se empreendimentos onde o valor disponibilizado para o Stand de vendas, apartamento modelo e marketing de lançamento do mesmo supera o valor previsto para o somatório dos valores das sondagens, do projeto, do acompanhamento técnico por um profissional experiente e, também da fundação (considerando material e mão de obra).
Quando se opta por não executar uma sondagem, a linha de raciocínio a ser adotada passa então a ser a seguinte: Cravam-se as estacas até que estas atinjam determinada “nega” preestabelecida sabe-se lá de que maneira, e considera-se que tudo esteja bem, não se atentando ao fato de que, mesmo que todas as estacas apresentem controle por negas e repiques elásticos e, até mesmo ensaios de carregamento dinâmico satisfatórios, não é necessariamente sinônimo de que a fundação apresentará bom desempenho no futuro. Sob tais circunstancias, para que seja feito um parecer da fundação e as devidas orientações técnicas para que esta seja adequadamente executada nessa obra, com previsões de comprimentos e estabelecimento adequado de parâmetros de controle, o mais sensato e menos desgastante seria que não se buscasse orientação de um engenheiro especialista e sim de um vidente, ou um guru ou talvez um pai de santo, ou até mesmo outro profissional do gênero, pois talvez consigam sucesso sem dependerem de previa consulta a elementos técnicos que, no caso, não existem. Preocupações com eventuais camadas de solos moles que possam existir sob as cotas onde as pontas das estacas estiverem apoiadas não são sequer cogitadas e, se alguma empresa idônea e responsável não aceitar fazer a referida obra nessas condições, sempre se encontra alguma empresa que a faça, muitas vezes sem que sequer possua um engenheiro responsável, pois que adotam a famosa pérola: “Temos experiência, pois estamos acostumados a fazer dessa maneira. Pra que mudar ? Sempre fizemos assim e deu certo !”
4.3. COLETA DE NEGAS E REPIQUES ELÁSTICOS AO FINAL DAS CRAVAÇÕES
onforme já comentado anteriormente, atualmente existe a obrigatoriedade normativa (ABNT NBR-6122/2022 – Projeto e Execução de Fundações) de coleta de diagramas de cravação, negas e repiques elásticos em 100% das estacas cravadas. Tal obrigatoriedade visa controlar a qualidade da fundação sob o aspecto de garantir que todas as estacas atendam a capacidade de carga para as quais foram cravadas, porém para que seja factível, depara-se com a necessidade de prever-se que ocorra uma sobra para cima do terreno, a qual muitas vezes é considerada como desperdício e, por consequência, custo não previsto.

Essa sobra de estacas, em geral, não deve ser inferior a 1 (um) metro, em função da necessidade de proporcionar condições de executar tal tarefa, no final das cravações das estacas, sem que possibilite a ocorrência de risco de acidentes aos funcionários que a fazem. Falar em prever que se possa considerar a sobra, em média, de 1 (um) metro de estacas em estacas cujo comprimento médio cravado seja de 20 metros é uma coisa, ou seja, corresponderia a 5% do estaqueamento, outra coisa diferente é considerar essa condição para estacas com comprimento médio cravado de 8 metros, por exemplo, pois nesse caso, pressupõese que 12,5% do estaqueamento deveria estar previamente considerado no custo, para cumprimento da norma técnica ABNT NBR-6122/2010 no que tange à obrigatoriedade de coleta de negas e repiques elásticos de todas as estacas cravadas, porcentagem essa que certamente sofrerá variação ainda maior, se considerarmos a grande heterogeneidade dos perfis geotécnicos em que comumente são adotadas fundações desse tipo. Obviamente que nem sempre essa condição é observada por parte de quem contrata o serviço e, igualmente não é esclarecida por parte de quem o vende e/ou executa, prevalecendo a seguinte filosofia: “Depois tudo se resolve na obra, Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”
Resumidamente, de uma forma geral, deve-se ter em mente que em Engenharia de Fundações a heterogeneidade quase sempre prepondera e a homogeneidade se faz exceção. Nesse contexto, pode-se demonstrar a variabilidade de um determinado maciço de solos através da variação dos comprimentos de cada estaca cravada nesse maciço. Segundo Aoki et. al. (1996), essa variabilidade deve-se à gênese do maciço de solos que constitui um sistema geotécnico continuo, único e complexo. Define-se superfície resistente a superfície que cada um dos elementos estruturais da fundação deve alcançar em profundidade, para atender o valor da carga admissível de projeto, considerando sua interação com o maciço de solos. O desempenho de qualquer fundação profunda será ótimo quando a base de cada um dos seus elementos atingir comprovadamente essa superfície resistente. O problema básico consiste em determinar a profundidade adequada de assentamento, ou seja, a superfície resistente que deve ser alcançada pelos elementos estruturais da fundação, considerando sua interação com o maciço de solos, para atender o valor da carga admissível de projeto, com dispersão mínima em torno da média. A configuração da superfície resistente depende do maciço de solos, tipo e dimensão da fundação, limitações dos equipamentos e metodologias executivas.

Uma vez fixadas todas essas variáveis, a superfície resistente é única, porém não é plana nem horizontal, pois passa por cotas de profundidades variáveis e geram uma superfície irregular em consequência das variabilidades naturais do maciço de solos. No caso específico de fundações com estacas pré-fabricadas de concreto, deve-se atentar que quanto mais heterogêneo for o comportamento do maciço de solos onde as estacas serão cravadas, maior será a variação entre os seus comprimentos cravados. O simples fato de se ter negas iguais não significa que o comportamento das estacas sob ação das cargas provenientes das estruturas será uniforme. A variabilidade natural dos comprimentos cravados (Δli) já é indício que a carga em cada estaca não será constante.
Tal realidade pode ser demonstrada pelo controle sistemático da capacidade de carga de cada estaca durante a cravação, por meio da coleta de repiques elásticos e da execução de ensaios de carregamento dinâmico, onde se verifica que o estaqueamento apresenta uma distribuição estatística de cargas com um valor médio e um desvio padrão dependentes das características do maciço de solos atravessado, do equipamento utilizado e da metodologia executiva. Nesse caso, a superfície de apoio das pontas das estacas é uma superfície resistente.

Procurar estabelecer durante o processo executivo, critérios que visem homogeneizar um estaqueamento, não raras as vezes pode levar a um elevado índice de quebras de estacas ou até mesmo de uma fundação mal executada. Tal situação agrava-se bastante no caso dos solos provenientes de alteração de rochas em decomposição (siltes), pois em geral são bastante heterogêneos. Ocorre que, nessas condições, torna-se difícil prever com razoável precisão os comprimentos das estacas, as quais apresentam variações acentuadas de comprimentos em um espaço muito reduzido, às vezes até no mesmo bloco. Nesses casos ao serem adotados como referência os comprimentos das estacas vizinhas já cravadas, pode-se incorrer em dois problemas, ou seja: quebras de algumas estacas em decorrência da tentativa de embutir suas pontas na cota das demais já cravadas ou cravações mal executadas e mal controladas em decorrência da tentativa de promover a homogeneidade dos comprimentos cravados. No primeiro caso, quase sempre ocorre uma grande insatisfação do cliente, pois sobras e quebras de estacas demonstram (do seu ponto de vista) falta de controle e acompanhamento do estaqueamento, causando-lhe custo adicional e, no segundo caso, ocorre o contrário, pois o cliente fica muito satisfeito e o estaqueamento pode estar comprometido. Cuidado, estaqueamento demasiadamente homogêneo quase sempre é sinônimo de falta de acompanhamento e controle, havendo grande probabilidade de ocorrerem problemas no futuro.
4.4. CRITÉRIO PARA INTERRUPÇÃO DAS CRAVAÇÕES

Durante a fase de instalação por percussão, das estacas nos mais variados perfis de subsolo, existem determinados procedimentos que devem ser seguidos, de tal forma a possibilitar que não ocorram quebras oriundas de irregularidades operacionais ou derivadas de critérios de controle demasiadamente exagerados quanto ao aspecto de insistência ao final das cravações, e se eventualmente estas quebras vierem a ocorrer, que sejam mínimas. Na prática, associa-se intuitivamente que quanto mais se bate com o martelo sobre as estacas, melhor cravadas elas estarão. O mecanismo comumente arbitrado pelo meio técnico para admitir que uma determinada estaca encontra-se bem cravada, consiste em registrar ao final das cravações uma determinada série de deslocamentos permanentes (denominados negas) dessa estaca no interior do solo, deslocamentos esses que apresentam proporcionalidade direta com a energia aplicada pelo martelo do bate-estaca.
Embora se saiba que a capacidade de carga do ponto de vista geotécnico não tem correlação direta com tais deslocamentos ou mesmo com a magnitude destes, na prática diária, se uma determinada estaca não apresenta deslocamento pequeno durante a aplicação dos golpes do martelo, esta simplesmente é abandonada ou segue-se a cravação até que esse deslocamento atinja um determinado valor prefixado. Em outras palavras, se as estacas estão sem nega (negas abertas) são simplesmente condenadas ou recravadas. Negas “demasiadamente apertadas” nem sempre são de fácil obtenção (exemplo dos solos siltosos) e nem por isso pode-se concluir que as estacas assim cravadas não estejam aptas a receber o carregamento a ser imposto pela estrutura. Uma coisa é certa, a insistência no processo de cravação de tal forma a procurar obter valores de deslocamentos permanentes (negas) tendendo à nulidade (como se isso fosse sinônimo de uma cravação bem executada), demonstra total falta de conhecimento, pois o resultado final além de conflitar com o esperado coloca em risco de quebra a estaca. Tentar argumentar que valores de negas demasiadamente pequenos não significam que as estacas estejam bem cravadas parece tarefa impossível de ser aceita ou acatada pela maioria dos engenheiros, pois que: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”
4.5.ESTABELECIMENTO DE ENERGIA DE CRAVAÇÃO
O estabelecimento do critério de paralisação das cravações, a fixação de valores de negas e repiques elásticos e o estabelecimento de energias de cravação de forma coerente sem que venha a colocar em risco de quebra as estacas, deveriam sempre estar fixados nos projetos de fundações e, nem sempre essas informações aparecem claramente ali estabelecidas. Sob esse aspecto, parece que os projetistas e consultores de fundações também se deparam com alguns problemas parecidos, ou seja, muitas vezes contratam-se projetistas tendo por exclusivo critério o menor valor, desconsiderando ou até negligenciando a grande importância desses profissionais na elaboração de um bom projeto e na condução adequada da execução desse tipo de serviço. Na edição nº 40 da Revista Fundações e Obras Geotécnicas (Editora Rudher), existe um artigo muito bem elaborado pelo Engº Ilan Davidson Gotlieb intitulado “Corporativismo às avessas” que aborda detalhadamente esse assunto. Proponho reflexão sobre o que ali se encontra escrito, estendendo-a a outros segmentos. Não obstante a isso, ainda ocorre naturalmente a tendência ao incremento de energia durante o processo de cravação, como se esse procedimento seja diretamente proporcional à garantia da confiabilidade da cravação perfeita, garantindo no subconsciente de quem assim pensa que do ponto de vista geotécnico, a capacidade de carga das estacas assim cravadas atenda às cargas de projeto. Obviamente que, o aumento da energia disponível no sistema de cravação é sempre recomendável e desejável, porém a eficiência desse sistema se torna mais importante que a energia nele disponível. O procedimento usual para obtenção de maior energia em um sistema de cravação de estacas por percussão, em geral consiste no incremento da altura de queda do martelo (Hq) que se deixa cair, ou é impulsionado sobre a cabeça das estacas em processo de cravação e, por mais absurdo que possa parecer, muitas vezes sequer se leva em consideração o grande diferencial da eficiência existente entre equipamentos do tipo queda livre e hidráulicos.

Para cada um dos casos, esse procedimento, do ponto de vista físico, realmente faz com que haja incremento da energia potencial disponível no sistema (Epot), mas depara-se com um problema crônico, o qual é responsável direto pela quebra de inúmeras estacas, ou seja, o aumento da força de impacto (Fmx) desse martelo sobre as cabeças das estacas, força essa que produz as tensões provenientes das colisões da massa do martelo (Mmart) em queda e que é diretamente proporcional à velocidade (Vmart) de descida dessa massa. Recomenda-se que não seja permitida a adoção de alturas de queda que induzam a valores de velocidades superiores 4,5 m/s.
Se observarmos o desenvolvimento das equações acima, notaremos que o incremento da altura de queda do martelo (Hq) faz com que haja o correspondente incremento da velocidade de descida desse martelo (Vmart) e, por consequência, da força de impacto (Fmx), responsável pela ocorrência de danos às estacas. Ao aumentarmos a massa do martelo (Mmart), haverá por consequência, o aumento da energia potencial (Epot) e também de energia cinética (Ecin). Pela simples análise do desenvolvimento das equações físicas apresentadas, conclui-se com bastante facilidade, que o incremento da altura de queda como recurso para aumentar a energia de cravação deve obedecer a critérios bem embasados, pois esse procedimento traz como subproduto indesejável a elevação das tensões decorrentes dos impactos desse martelo sobre as cabeças das estacas que serão por ele cravadas. Na prática diária isso nem sempre é observado e quase nunca respeitado, sendo muitas vezes atribuída erroneamente a causa da eventual quebra ao incremento de energia e não ao efeito nocivo que resulta desse incremento por meio da elevação da altura de queda do martelo.
Recomenda-se prudência quanto à adoção desse recurso e reflexão quanto à diagnose do eventual problema, quando usado e mal sucedido. Muitas vezes se arbitra uma determinada altura de queda partindo-se da premissa que esse valor resulta da divisão do peso do martelo (kg) pelo peso total da estaca (kg), como se isso fosse possível. Uma simples análise dimensional dessa “equação” nos remete à conclusão de não ter qualquer sentido, pois que kg/kg não resulta na unidade da altura de queda, ou seja, em metro (m), e sim em uma constante, ou seja, é adimensional. Compatibilizar adequadamente as massas dos martelos com as dimensões e comprimentos das estacas, em conformidade com as diretrizes da ABNT NBR-6122/2.022 (Projeto e Execução de Fundações), parece tarefa impossível de ser atendida, pois habitualmente se permitem utilizar martelos com massas totalmente incompatíveis com as estacas a serem cravadas e com os níveis de cargas a serem mobilizados no final das cravações e, pior que isso, tudo parece estar normal. Em algumas dessas vezes, surge outra pérola de alguns colegas engenheiros, ou seja: “Para compensar a falta de energia em decorrência da massa do martelo ser insuficiente, eu mando bater mais vezes nas estacas, ou seja, ao invés de tirar três negas pré-determinadas, eu mando tirar 5 negas e, tudo está resolvido (??????? – Essa é cruel)”. Procede-se assim, como se a quantidade de batidas fosse diretamente proporcional ao incremento de energia de cravação. Em síntese, em todos esses casos, quebrando-se uma estaca, na maioria das vezes a justificativa da causa atribuída estará sempre associada à má qualidade do concreto empregado na sua fabricação ou à sua maturidade. Nesta situação, tentar argumentar que o incremento de altura de queda dos martelos é diretamente proporcional à quebra de estacas parece tarefa impossível de ser aceita e, por consequência, acatada pela maioria dos engenheiros, pois que: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”
4.6. QUEBRAS DE ESTACAS DURANTE O PROCESSO DE CRAVAÇÃO
Dizer que estacas pré-fabricadas de concreto não se quebram durante o processo de cravação não é verdade. A questão crucial está no estabelecimento de um critério confiável que permita aos diversos profissionais envolvidos com a execução da obra, avaliar de forma ética, coerente e sensata tal assunto. Incoerente seria pensar que um produto pré-fabricado de concreto que será cravado à percussão nos mais variados perfis geotécnicos e, com os mais diversos tipos de equipamentos, não possa apresentar, em determinadas circunstâncias, problemas quanto à sua instalação como elemento de fundação. Dizer que esta ou aquela estaca não se quebra, ou utilizar tal argumento como parâmetro comercial, não se constitui verdade. Quem assim o faz, no mínimo deve ser questionado contrariamente, pois se assim o faz, certamente algum tipo de “milagre” o embasa para que tal argumento seja utilizado, “milagre” esse que certamente não apresenta qualquer embasamento técnico ou lícito, apenas explicável através da pérola: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”

Enfim, estacas pré-fabricadas de concreto se quebram e isso é facilmente comprovado técnica e operacionalmente, independente da empresa que as fabrique, sejam elas armadas ou protendidas, vibradas ou centrifugadas. Lamentavelmente, algumas vezes o aspecto comercial que envolve a negociação de determinadas obras omite tal fato, ou pior que isso, utiliza como argumento de persuasão comercial, uma pseudo qualidade qualquer de um determinado produto ofertado para induzir o cliente que não haverá problemas de quebra de estacas na obra, pois seu produto é diferenciado, de melhor qualidade, não se quebra e, enfim, apresenta uma série de outras características que assim postas à avaliação do cliente, o permitem conduzir a negociação a seu favor, finalizando com a afirmativa de que se houverem problemas decorrentes de quebras de estacas, os mesmos serão totalmente absorvidos pela empresa que produz as estacas. Faz-se prudente nestes casos, proceder à desconfiança quanto aos argumentos comerciais assim apresentados e ainda mais quanto ao acompanhamento e controle técnico e operacional da obra a ser oportunamente efetuado pela referida empresa.
É bem certo que, abordar de forma clara e transparente tal assunto durante a fase de negociação de uma obra qualquer, não raras as vezes traz embaraços à negociação, principalmente se em determinada fase da negociação houver o famoso efeito comparativo com outra solução técnica qualquer. Parece ser mais difícil admitir previamente que possa haver uma determinada margem de problemas decorrentes de quebras de estacas pré-fabricadas de concreto, que aceitar sem questionamento um acréscimo de consumo de material muito superior, se outra solução técnica fosse adotada. Como exemplo corriqueiro pode-se citar em uma determinada obra, uma margem de quebra de estacas pré-fabricadas de concreto à razão de 3%, enquanto que, nessa mesma obra, se fosse adotada a solução em determinados tipos de estacas moldadas in-loco, haveria estatisticamente comprovado, um consumo adicional de concreto por conta do overbreack à razão de 30% ou, até mais que isso, como comprovado na prática em um número significativo de obras executadas com tal alternativa.
Rotineiramente, por mais incrível que pareça, convive-se harmoniosamente com tais elementos sem quaisquer questionamentos técnicos ou comerciais. Parece aplicar-se perfeitamente aqui o ditado popular que diz que o que os olhos não veem o coração (ou o bolso) não sente. Paradoxalmente, se em uma determinada obra ocorre a quebra de uma estaca pré-fabricada de concreto, a confusão está formada, principalmente se isso ocorrer durante a estaca prova. Se analisarmos a situação abordada do ponto de vista estatístico, verificaremos alguns tópicos interessantes a serem comentados. Obviamente quando se comenta que a avaliação a ser feita tem por base elementos obtidos e interpretados de forma estatística, nos referimos a um determinado número substancial de estacas, que seja expressivo e possa formar um conjunto de dados passiveis de serem representativos para análises conclusivas. Imaginemos uma obra composta por 10 (dez) estacas (uma caixa d’água, por exemplo) onde haja a infelicidade de ocorrer uma única quebra durante o processo de cravação. Nesse caso, há de se ter o bom senso de admitir que embora a porcentagem de quebras ocorrida (10%) seja exageradamente expressiva, não deve servir para embasar conclusão negativa e de forma genérica sobre a solução de fundação adotada.
Observando o diagrama apresentado acima, nota-se que de uma forma geral, admitir que possa haver durante o processo de cravação de estacas pré-fabricadas de concreto uma margem de quebras situada entre 2% e 5% parece ser bastante razoável e representativa da grande parte das obras executadas. Vale salientar que devem ser inclusas nesta avaliação as quebras de cabeças de estacas, independentemente de haver ou não a posterior condenação quanto à adoção dessas estacas como elementos de fundação. Quando a margem de quebras de estacas em uma determinada obra aproxima-se de 5%, faz-se prudente atentar que medidas imediatas devam ser tomadas, no intuito de analisar suas causas prováveis. Nesses casos, deve-se efetuar reunião conjunta, na obra, entre o cliente, o executor e o projetista para a tomada imediata de medidas corretivas. Importante observar, que no início do estaqueamento de qualquer obra, o índice de estacas que venham a sofrer quebras pode ser superior a 5% (situação essa que posteriormente acaba se ajustando no decorrer do estaqueamento), pois nessa fase ainda não há total familiarização com as condições de cravação especificas de cada perfil geotécnico e, justamente quando da cravação das estacas provas, estas são mais exigidas durante o processo de cravação. Ao contrário, quando a margem de quebras de estacas em uma determinada obra aproxima-se de 1%, certamente deve-se desconfiar que algo esteja errado no controle efetuado em campo. Valores inferiores a 1% são diretamente proporcionais à probabilidade de ocorrência de problemas sérios no futuro, problemas esses decorrentes de total falta de controle operacional durante a execução da obra, tais como a não observância de que estacas foram mal cravadas e até mesmo que estacas quebradas foram admitidas como satisfatórias
4.7. CARACTERÍSTICAS DOS ATERROS SUPERFICIAIS
Parece ser razoavelmente simples de observar e concluir que, a cravação de estacas pré-fabricadas de concreto em perfis de subsolo que apresentem aterros à superfície com a presença de entulhos, rochas ou qualquer material que possa provocar-lhes desvios de sua posição vertical original, certamente apresentará problemas de quebras ou desvios de inclinação. Por mais incrível que possa parecer, na prática diária de inúmeras obras, esse procedimento é utilizado e, por mais absurdo que possa ser, quando ocorrem problemas de quebras e/ou desvios de estacas, o argumento é sempre o mesmo: “As estacas apresentam algum problema, ou o procedimento de cravação não está sendo feito com a devida prudência”.

Embora seja simples de observar e concluir que aterros efetuados com detritos de materiais diversos e/ou restos de construções causem problemas durante o processo de cravação de estacas, essa situação é muito comum. Nesses casos, torna-se necessária a prévia execução de uma pré-furação com auxílio de uma ponteira metálica de aço (denominada agulha) no exato local onde serão cravadas as estacas, a qual tem por finalidade básica a promoção da eventual desobstrução dos obstáculos ali existentes. Cabe aqui salientar que, dependendo da magnitude das dimensões desses obstáculos e também de sua profundidade em relação à cota da superfície do terreno, esse processo de pré-furação não resolve o problema, sendo necessária a adoção de maquinário apropriado, tal como retroescavadeira ou até escavadeira de maior porte.
Em aterros efetuados sobre solos moles, principalmente em regiões litorâneas onde as camadas superficiais são constituídas por mangues, argilas marinhas ou turfas, uma vez depositados sobre esse tipo de solos, materiais compostos por rochas de grandes dimensões, pneus, restos de demolições de construções tais como parte de pilares e vigas, observa-se com relativa frequência, a penetração por gravidade desses materiais para regiões mais distantes da superfície onde foram preliminarmente lançados. Nesses casos, fica praticamente impossível a adoção de pré-furação com auxílio de uma ponteira metálica (agulha), pois não há como mapear de forma coerente a magnitude e a posição dos obstáculos enterrados. Somente máquinas de maior porte podem ajudar a solucionar esse tipo de problema. Embora não seja um problema associado à cravação das estacas, há quem efetue preliminarmente sua cravação e, posteriormente tente fazer o aterro até a cota adequada. Nesses casos, as cravações das estacas devem contemplar sobras compatíveis com a espessura do aterro a ser posteriormente efetuado. Dificilmente nesses casos não ocorrem inúmeras quebras decorrentes dos impactos das lâminas dos equipamentos que efetuam esse tipo de aterros. Neste tipo de situação, tentar argumentar que os aterros superficiais devem ser feitos com materiais de boa qualidade e isentos de entulhos e rochas, também parece tarefa impossível de ser acatada em diversos empreendimentos, pois que: “Depois tudo se resolve na obra, Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”
4.8. CONDIÇOES OPERACIONAIS
Uma obra para que possa ser corretamente executada, necessita preliminarmente que possua condições superficiais de suporte para o apoio e o tráfego dos equipamentos que serão utilizados na fase de construção. Particularmente no caso das fundações, a execução dessas condições de suporte ocorre em conjunto e, nem sempre são observadas como necessárias e sim como um custo não previsto, pois que, habitualmente se tem em mente que “fundação não é obra é custo, pois se enterra dinheiro”. Perguntas do tipo: “Quando a fundação estará concluída para que a obra possa começar?” são ouvidas com frequência e, racionalmente não deveriam sequer ser pensadas. Em geral, as condições de suporte superficial dos locais onde serão executadas as obras de fundações são de responsabilidade de quem contrata esse tipo de serviço e, para tanto, devem ser preliminarmente feitas e não no transcurso ou após sua conclusão. Se o cronograma financeiro de uma obra não contempla um determinado valor para que a infraestrutura preliminar seja adequadamente executada, então que seja refeito ou que não se inicie a obra.

Não há sentido algum em colocar em risco pessoas e equipamentos em virtude de falhas decorrentes de condições de suporte mal executadas, até mesmo porque na eventualidade da ocorrência de acidentes, sejam com consequências humanas ou materiais, haverá prejuízo a todas as partes envolvidas na execução da obra, em particular ao proprietário da mesma. Sob esse aspecto, deveria haver consenso de todas as empresas para não permitirem tal condição, uma vez que acidentes sempre causam transtornos a todos, independentemente de estar evidente quem ou o que o tenha causado, criando-se embaraços inclusive à solução técnica adotada, a qual passa a ser evitada. Muitas vezes veem-se equipamentos operando em condições de risco extremo, simplesmente porque se assim não for feito, outra empresa simplesmente o fará e, pior que isso, se bem sucedida se vangloriará do feito como se intencionada a receber por isso um troféu qualquer e, com certeza, se utilizará do feito como argumento comercial para alguma outra contratação e, com certeza, será bem sucedida
Passa-se então a adotar como padrão o método “bumba meu boi”, ou em outras palavras, “vai que dá”, “vamu que vamu”, “oba oba”. Sob esse aspecto, há de se refletir que a contratação de uma empresa de engenharia não deveria ter por embasamento apenas o critério do menor preço ou, muitas vezes, da inconsequência. Deveria preponderar na decisão, outros critérios, tais como a responsabilidade e o currículo da mesma e dos seus profissionais. Saliente-se que, toda empresa ou profissional que se permitem trabalhar nessas condições, condicionados por valores irrisoriamente estipulados tendo por argumento que “se não quiser fazer dessa maneira outro o fará”, não merece receber nem mesmo o que lhe for pago dessa forma. Pior que isso é o fato que, se eventualmente algum acidente vier a ocorrer e que este cause algum prejuízo material e/ou pessoal, raramente haverá solidariedade quanto à absorção de custos jurídicos e/ou indenizatórios por parte de quem contratou o serviço e sim a cobrança quanto à brevidade na resolução do problema para que a fundação seja concluída e não atrase o cronograma, devendo-se ainda ficar feliz se não houver aplicação de uma elevada multa pelo atraso do mesmo. Enfim, faz-se uma obra sem problemas, duas ou até mais e, quando se pensa que se está veterano no assunto, perde-se o medo e o juízo, passando-se então a subestimarem-se os riscos, enfatizando-se a pérola: “Pra que mudar ? Eu sempre fiz assim e deu certo !”, eis que ocorrem os acidentes. Jamais se pode permitir que o mero acaso ou a sorte, substituam o bom senso e, por consequência, a razão e o juízo. Em 1.998 o engenheiro Dirceu de Alencar Velloso escreveu no boletim nº 68 da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos) a seguinte observação: “Para se adquirir um equipamento basta ter o dinheiro, mas para formar uma equipe capaz de fazê-lo trabalhar eficientemente, há necessidade de tempo para treinamento.”
4.9. CARACTERÍSTICAS E QUALIDADE DO CONCRETO USADO NA FABRICAÇÃO DAS ESTACAS
O concreto a ser utilizado na confecção de estacas pré-fabricadas deve apresentar resistência compatível com os esforços decorrentes de seu manuseio, transporte e cravação, porém não define especificamente o que se entende por um concreto adequado e também não faz referência quanto aos parâmetros quantitativos a respeito dos esforços citados, principalmente àqueles decorrentes da sua instalação no solo por percussão, por se tratar de assunto complexo e de difícil avaliação prévia.
Esse aspecto, nem sempre a característica básica a ser objetivada é a resistência à compressão, ou seja, um concreto que apresente uma resistência à compressão maior pode apresentar mais problemas, se comparado a outro com resistência à compressão ligeiramente inferior, principalmente na fase de instalação da estaca no subsolo. No caso específico das estacas pré-fabricadas, é mais importante analisar-se as condições ideais do módulo de elasticidade e resistência à tração do concreto utilizado em sua fabricação, do que preocupar-se tanto com a resistência à compressão propriamente dita.

Uma estaca pré-fabricada de concreto, durante a cravação por percussão, deforma-se como se fosse uma série de molas interligadas à medida que os golpes aplicados pelo martelo são desferidos sobre a mesma. Assim sendo, faz-se razoável crer que o concreto se deforma, até porque, é submetido a um carregamento cíclico decorrente dos sucessivos golpes aplicados pelo martelo dos bate-estacas. Para efeito de dimensionamento das estacas no que tange ao aspecto relativo ao elemento estrutural e não geotécnico, para estacas pré-fabricadas de concreto armado ou protendido, a ABNT NBR-6122/1.986 (Projeto e Execução de Fundações) restringia a resistência característica do concreto (fck) em 25 MPa, para efeito de dimensionamento das estacas no que tange ao aspecto relativo ao elemento estrutural e não geotécnico. Posteriormente, em 1.996, a revisão da ABNT NBR6122/1.986 (Projeto e Execução de Fundações) passou a restringir a resistência característica do concreto (fck) em 35 MPa, e, atualmente, a ABNT NBR-6122/2022 (Projeto e Execução de Fundações) restrine a resistência característica do concreto (fck) em 40 MPa. Obviamente que, tratando-se de peças produzidas em indústrias, onde a necessidade de produção em larga escala obriga as peças a serem desformadas em pouco tempo, a resistência adquirida quando do saque das peças, que em geral não ultrapassa um dia e, deve ser tal que não permita o aparecimento de fissuras ou até mesmo trincas acentuadas durante as fases que antecedem sua instalação no subsolo. Assim sendo, parece ser de razoável compreensão que a resistência final adquirida aos 28 dias (idade de referência) ultrapasse significativamente os 40 MPa fixados na norma. Conclui-se então que o valor arbitrado pela norma técnica vigente visa apenas limitar as cargas estruturais nas peças assim dimensionadas, de tal forma a imporlhes um limite de tensões aceitável também como elementos de fundação e, por consequência, transferir adequadamente (sem recalques acentuados) os carregamentos a elas impostos pelas estruturas a que servem de suporte. Em geral, esse tipo de estacas é confeccionado com cimento CP-V (ARI), com o objetivo de conferir ao concreto elevada resistência inicial, proporcionando condições de desforma das peças com bastante rapidez. A quantidade de cimento por metro cúbico de concreto, em geral varia entre 350 e 450 kg e o fator água-cimento (a/c) varia, em geral, entre 0,40 e 0,45. A resistência fixada como referência na NBR-6122/2.022 (Projeto e Execução de Fundações) não raras as vezes, costuma ser alcançada aos 7 dias decorridos de sua fabricação, não necessitando, a princípio que as estacas esperem mais tempo para serem cravadas.
Casos particulares, no entanto, podem ocorrer, onde algumas condições específicas de cravação em determinados perfis geotécnicos obriguem a cravação de estacas com idade superior. Especialmente no caso de estacas pré-fabricadas, a resistência à tração do concreto é considerada de fundamental importância, pois o processo de cravação por percussão, conforme já comentado, acaba por favorecer a formação de uma série de fissuras microscópicas internas provocadas por tensões de tração, embora os esforços externos aplicados sejam aparentemente, de compressão. Assim sendo, concretos para estacas devem preferencialmente utilizar agregados com superfícies bastante ásperas, angulosas e de formato cúbico, além de quantidade de argamassa (com granulometria entre 0 e 4 mm) situada entre 40 e 50 %. Experiências têm demonstrado, e observações de campo têm confirmado que para o caso específico de estacas pré-fabricadas, a confecção do concreto utilizando-se brita 2 ou, eventualmente brita 1, de forma individual ou associada, tem apresentado melhor desempenho quanto à não ocorrência de ruptura durante o processo de cravação, quando comparado com concretos feitos com britas de menores dimensões e porcentual de argamassa superior ao especificado (40 % ≤ teor de argamassa ≤ 50%). Parece ocorrer uma concentração de tensões internas de tração junto à argamassa, causando o rompimento da mesma sem que, no entanto, haja a ruptura da brita por esta envolvida.

Corre que, tentar estabelecer um traço de concreto pouco argamassado (por consequência de trabalhabilidade mais difícil), e fazer com que sua utilização seja posta em prática em uma unidade fabril, muitas vezes não é tarefa fácil, pois se depara com dificuldades associadas ao hábito dos profissionais mais veteranos, os quais, instintivamente buscam todo tipo de alternativas para facilitar o adensamento do concreto nas formas e não dificultar tal tarefa. Concreto menos argamassado é sinônimo de mais trabalho para adensá-lo corretamente nas formas, porém, também é sinônimo de concreto de melhor qualidade para uso em estacas pré-fabricadas. Houve-se então com frequência a frase: “Pra que mudar? Eu sempre fiz assim e deu certo!”
Outra prática relativamente frequente, e que parece estar enraizada no subconsciente de grande parte dos “profissionais veteranos” neste assunto, resume-se à resolução de eventuais problemas observados quanto à resistência de um determinado concreto, “ajustando” o traço simplesmente através da inserção aleatória de cimento, ou seja: “Coloca mais um pouco de cimento que resolve”. Esse procedimento, em tese às vezes até parece ajudar, porém carece de ajuste de todo o traço preliminarmente adotado, pois que, apenas adicionar mais cimento sem proceder ao ajuste de todo o traço não resolve problema algum, pois a questão fundamental consiste na adequação correta de todo o traço e da combinação balanceada de todos os seus componentes e não apenas de um ponto especifico. Quem assim procede, na realidade esquiva-se da análise mais aprofundada do problema e, quando questionado recorre sempre a perola: “Pra que mudar? Eu sempre fiz assim e deu certo!”
Em 17/01/2014 ocorreu a publicação da norma técnica ABNT NBR-16.258 (Estacas Pré-fabricadas de Concreto - Requisitos) a qual estabelece os requisitos para o projeto, fabricação, estocagem e manuseio de estacas pré-fabricadas ou pré-moldadas de concreto armado ou protendido, destinadas à utilização como elementos de fundação profunda. Especificamente no que tange ao concreto, encontram-se estabelecidos na referida norma técnica os seguintes requisitos:
CONCRETO
6.1.1 Requisitos básicos
O concreto a ser utilizado na fabricação das estacas deve obedecer aos seguintes parâmetros:
- a) fck ≥ 40 MPa;
- b) Esc (módulo de deformação secante) ≥ 26 GPa;
- c) teor de argamassa: 40 % ≤ TA ≤ 50 %;
- d) fator água cimento: a/c ≤ 0,45;
- e) absorção de água por imersão ≤ 6 %;
- f) para elementos pré-fabricados: coeficientes de minoração γc = 1,3 e γs = 1,10;
- g) para elementos pré-moldados: coeficientes de minoração γc = 1,4 e γs = 1,15.